Estava tudo parado. (Éramos só eu e ela.) Uma vista que
nunca antes vira. E ali estava ela, diante de mim, pintada de cores turvas:
cores de outono em primavera. Estava tudo parado.
Fitávamo-nos como se nos conhecêssemos de desde sempre. (Éramos
só eu e ela.) Não partilhámos nem uma só palavra mas era como se nada tivesse
sido deixado por dizer – sim, entre nós não havia nem o mais pequenino segredo.
Ali estávamos nós, como que um quadro que havia sido
pintado por Deus. Pintado de cores turvas: cores de outono em primavera. Cores
que traçavam linhas perfeitas. Um quadro onde até o mais pequeno pormenor estava
pintado na perfeição. Éramos perfeitas: eu para ela e ela para mim.
Após uns (longos) minutos em silêncio, dei-me conta de
que tudo o que antes julgava estar parado, na realidade, se movia. Movia-se a
uma velocidade alucinante: estávamos a ser engolidas à velocidade da luz.
Então, pedi que tudo parasse, mas por mais que pedisse nada voltava a ser como
antes. A realidade estava de volta – uma realidade que, por vezes, pode ser tão
cruel, tão mesquinha, tão veloz.
Afinal, não era tudo que estava parado. Éramos apenas eu
e ela, tudo o resto se movia: tudo o resto se movia. Movia-se a uma velocidade
alucinante. As cores, que outrora eram de outono em primavera, eram agora cores
de inverno em primavera. Então, antes que aquela tela fosse manchada de tons de
cinza e preto, decidi partir. Parti, mas não sem antes ter olhado uma última
vez para trás – olhei na esperança de que tudo tivesse voltado a ser como
antes, mas não. Agora, era apenas eu e apenas ela, pintadas em quadros
distintos – o dela mantinha as mesmas cores, o meu era agora uma confusão de
cores de inverno em primavera. Ela estava parada. Eu, como tudo o resto, é que
me movia: movia-me para cada vez mais longe.
Foi então que, num fugaz momento de reflexão, pensei: ela
está parada, ela estará sempre parada. Para que nos possamos reencontrar basta
que eu pare. Basta que eu volte a ser o que antes fui, para que voltemos a
fazer de nós uma única paisagem: assim que voltasse a parar, a beleza voltaria,
a paz perduraria. Basta que eu pare, pensei: basta que eu pare.
Haverá, para sempre, uma amizade entre nós. Nada mudará
porque, sempre que eu queira parar, ela vai lá estar, intacta, com a mesma
beleza de sempre. Assim, como que em jeito de despedida, disse-lhe: até um dia!
(o dia em que as nossas vidas se voltarão a cruzar).