O Natal da Saudade


Aquele Natal, igual a tantos outros, foi o melhor de todos.

Em cima da mesa havia rabanadas, aletria, pão-de-ló, bolo-rei e muitos sonhos; desalinhados, à volta da árvore de natal, um exagerado número de presentes que, à meia-noite, iriam atestar a felicidade (digo, os egos) de todos; em frente à televisão – aquela que, mesmo em dia de Natal, insiste em não se calar, ocultando a evidente falta de empatia que se foi desenvolvendo faz este ano muito tempo – as peças de teatro encenadas pelos mais novos da casa; mais ao longe, as vozes alteradas dos maridos que jogavam à sueca como se aquelas cartas fossem as espadas com que defendem a própria vida – talvez fosse esse o trunfo escondido; na cozinha, inevitavelmente, as mulheres.
No final da noite, restavam os cheiros que se misturavam com o do seu casaco de cabedal, com essência de tabaco à mistura, e o aperto do abraço que a pagava ao colo quase adormecido. Sentia-lhe a voz das despedidas a vibrar nos seus cabelos de criança, enquanto lhe mimava as orelhas num género de embalo partilhado a dois. E, finalmente, adormecia ao som do motor do carro, que a balançava a cada curva do caminho de casa. A recordação do momento em que a colocava na cama, e a cobria com os lençóis, misturam-se com os sonhos que já ia tendo, tal era o avanço da hora.

Aquele Natal, igual a tantos outros, foi o melhor de todos. No final da noite, já não sendo capaz de a carregar no colo, saíram todos pelo seu próprio pé daquele que seria o último Natal que passaram juntos.

Este ano, o Natal, igual a outros tantos, foi mais vazio. Em cima da mesa, já não há sonhos; à volta da árvore já não abundam os presentes; em frente à televisão já não há crianças a encenar peças de teatro; a sueca já não tem a mesma graça – foram-se embora os maridos; as mulheres, essas, continuam na cozinha.
Este ano, mesmo antes da consoada de Natal, ofereceu-lhe palavras pintadas com as cores, mais ou menos básicas, que ainda lhe restam. Com toda a humildade que o amor exige, escreveu-lhe: “Sinto a tua falta”.    

Que Venha Forte


Então que venha:
Que venha esse tal de fim do mundo;
Mas que venha forte,
E leve consigo todos os demónios.
Que venha para fornicar todos e qualquer um,
Sem exceção,
Até que se deixem de sentir.
E já que é para vir,
Então que seja até gozar:
Comigo, e contigo,
E, porque não, com todos os outros.
Que goze, para nosso bem,
E nos encha a boca com a semente de Deus,
Para que a semeemos na nova Era.
Então que venha:
Que venha esse tal de fim do mundo;
Mas que venha forte,
E consigo traga um novo ano:
O verdadeiro;
O real;
O primogénito já nascido.
E, então, acordemos, no dia primeiro, renascidos.
Sejamos carne da mesma carne, e sangue do novo sangue. 
Sejamos a personificação de Deus: sejamos amor.

Espiritualidade II

E vos digo:
É na capacidade de AMAR,
mais do que no desejo de se SER AMADO,
Que se encontra a paz.
AMAR mais do que a si próprio:
existe, e é a única verdade.
Não é o abraço;
não é o beijo;
AMAR é muito mais que desejo.
É quietude do corpo;
exaltação do espírito.
É o caminho
que leva o Homem ao seu destino:
SER AMADO.