Aquele
Natal, igual a tantos outros, foi o melhor de todos.
Em
cima da mesa havia rabanadas, aletria, pão-de-ló, bolo-rei e muitos sonhos; desalinhados,
à volta da árvore de natal, um exagerado número de presentes que, à meia-noite,
iriam atestar a felicidade (digo, os egos) de todos; em frente à televisão – aquela
que, mesmo em dia de Natal, insiste em não se calar, ocultando a evidente falta
de empatia que se foi desenvolvendo faz este ano muito tempo – as peças de
teatro encenadas pelos mais novos da casa; mais ao longe, as vozes alteradas
dos maridos que jogavam à sueca como se aquelas cartas fossem as espadas com que
defendem a própria vida – talvez fosse esse o trunfo escondido; na cozinha,
inevitavelmente, as mulheres.
No
final da noite, restavam os cheiros que se misturavam com o do seu casaco de
cabedal, com essência de tabaco à mistura, e o aperto do abraço que a pagava ao
colo quase adormecido. Sentia-lhe a voz das despedidas a vibrar nos seus cabelos
de criança, enquanto lhe mimava as orelhas num género de embalo partilhado a
dois. E, finalmente, adormecia ao som do motor do carro, que a balançava a cada
curva do caminho de casa. A recordação do momento em que a colocava na cama, e
a cobria com os lençóis, misturam-se com os sonhos que já ia tendo, tal era o
avanço da hora.
Aquele
Natal, igual a tantos outros, foi o melhor de todos. No final da noite, já não
sendo capaz de a carregar no colo, saíram todos pelo seu próprio pé daquele que
seria o último Natal que passaram juntos.
Este
ano, o Natal, igual a outros tantos, foi mais vazio. Em cima da mesa, já não há
sonhos; à volta da árvore já não abundam os presentes; em frente à televisão já
não há crianças a encenar peças de teatro; a sueca já não tem a mesma graça –
foram-se embora os maridos; as mulheres, essas, continuam na cozinha.
Este
ano, mesmo antes da consoada de Natal, ofereceu-lhe palavras pintadas com as
cores, mais ou menos básicas, que ainda lhe restam. Com toda a humildade que o
amor exige, escreveu-lhe: “Sinto a tua falta”.