Ao Fim E Ao Cabo: Estamos No Ponto Central

Hitler teve razão, ao dar razão ao marechal de campo Rommel, ao prevenir que só por invasão marítima se perde uma guerra. Digamos que, transportando esta ideia para as relações humanas de hoje em dia, a vertente emocional é a fronteira marítima de qualquer ser humano. Tal como na guerra, temos sempre a pretensão de achar que conseguimos controlar, além das nossas, as fronteiras do outro.
Esta relação que se estabelece entre a racionalidade e o emocional é, no mínimo, intrigante. Só uma aniquila a outra, sendo que, no fim, até Hitler perdeu a guerra, mesmo julgando-se acima de tudo e de todos. Foram o ódio e o amor, esses dois que tantas vezes caminham lado a lado, os carrascos de Hitler, aquele que sonhava (em delírio) com a raça perfeita, que por amor à sua racionalidade (ou falta dela) ordenou que fossem mortas milhões de pessoas.
No amor, como na guerra, usamos a nossa racionalidade para temporizar o próximo ataque (mais ou menos emocional). Hitler sabia que a melhor defesa era o ataque – e quão bem o fez valer? –, e que só a precaver o próximo passo do inimigo seria capaz de ganhar tempo para preparar o futuro daquela guerra e ganhar. Deixar o inimigo fragilizado e desorientado é sempre uma boa solução para ganhar esse tempo de que precisava e conquistar aliados, ou assim pensava Hitler. E, de facto, assim será, se conseguirmos controlar, até ao extremo, aquilo que nos corrói as vísceras e nos põe fora de combate.
Mas, voltando ao início, as fronteiras são mais do que muitas, e o que nos faz como somos não só abraços e beijinhos, murros ou pontapés. Hitler, ao subestimar a inteligência e a coragem do inimigo, acabou por subestimar, mais ainda, a sua própria (ir)racionalidade. Pensarmos que o outro é menos capaz de nos analisar e avaliar é uma tolice (a menos que sejas psiquiatra ou psicólogo e tenhas testado o outro até ao limite – não, nem assim, porque há faltas de dados e zonas do cérebro que são ainda desconhecidas).
Anos se passaram, desde que Hitler foi derrotado, houve ainda uma viragem de milénio, e nada mudou. Continua a haver guerras, pessoas são mortas, torturadas, escravizadas e mal tratadas; os líderes mundiais, com a civilidade que um bom fato prossupõe, continuam a atacar-se, à espera do momento perfeito para que, mais uma vez, o emocional vença o pouco de racional que este mundo ainda tem, e estoire a terceira guerra mundial – a mim sempre me ensinaram que, se está quente, começa-se a comer pelas beiras do prato: as fronteiras foram alargadas.




(Processo de criação: leitura do último parágrafo da pág. 63 – cont. pág. 64 – do livro, de Daniel Silva, “O espião improvável”.)