Coração de Viana

     O coração de Viana está frio como a noite que sobre ela cai. Arrepiante vento, que trespassa as vestes e levanta todo o pêlo que nesse corpo permanece.
     Do sol que já brilhou, faz agora poucas horas, nada resta. Veio de manhã, para encher o copo da noite anterior, e foi cozinhando a lume brando. Chegou o fim da tarde e foi-se embora o sol - não entendo isso que os impede de estarem juntos na mesma sala. Foi-se embora o sol, foi esconder-se para lá das cortinas do horizonte enquanto, da mesa dos solteiros, se levanta a noite. Solteira dança pelas artérias e faz penetrar o frio. E, agora, sinto-o demasiado vazio: o coração de Viana.

Hoje, aqui e agora, apetecia-me...

Hoje, aqui e agora, apetecia-me largar um murmúrio ao vento –
talvez esse ainda chegasse a tempo –,
para te dizer o quanto lamento não poder te abraçar.
Porém, talvez não seja, este, o melhor momento,
de largar esse tal murmúrio ao vento,
para te dizer o quanto lamento não te abraçar.
Talvez ontem, dia de mais vento, fosse esse o melhor momento,
não de dizer o quanto lamento,
mas de te abraçar.
Amanhã, sei que já não haverá vento,
deixará de haver lamento:
perdi o melhor momento de te abraçar.

Não: Era uma vez...

Era uma vez o “Era uma vez…”
Que nunca tinha sido contado vez nenhuma,
Aos meninos e meninas de um país:
Um país onde a terra é bruma.

O “Era uma vez…” sentiu-se por contar,
E num dia triste, à beira mar,
Decidiu ir à procura de quem,
Com menos sorte que tu, não tinha forma de o encontrar.

Caminhou e, pelo caminho, perguntou
Por esses meninos de uma tal cor
(Essa cor a que se chama amor),
Que nunca haviam ouvido as histórias desse apregoador.

Passou por todos os tipos de gente,
Mas nunca lhe deram a mínima importância,
Mais parecia gente demente,
Tal era a sua arrogância.

Sentiu-se, mais do que uma vez,
Querer desistir,
Mas graças à sua sensatez
Percebeu que muito ainda estaria por vir.

Foram tantos os meninos que viu,
Uns acenavam,
Outros nem lhe olhavam,
Mas, o “Era uma vez…”, para todos eles sorriu.

Eram de todas as cores e feitios,
E todos já o tinham visto passar,
Junto às suas janelas,
Na hora de irem sonhar.

Já no final do seu caminho
Encontrou um pequenino,
Estava deitado no chão, tinha vestes de trapo e sorriso de sol:
- Olá! Eu sou o “Era uma vez…” E tu? És um menino mongol?

O “Era uma vez…” sentou-se,
Deu o peito à cabeça do menino,
Passou um cobertor pelas costas,
E começou a falar-lhe bem baixinho.

E foi assim que foi contada,
Pela primeira vez,
A história do “Era uma vez…”,
A um menino que nunca a havia ouvido uma única vez.

Coisas da Vida

A vida é um grande vai e vem,
Vai mais do que vem.

Não sei se te foste,
Não te sinto vir,
Estranho sentimento este,
Que me sinto sentir.

A verdade não existe,
O orgulho é magoado,
A mágoa que sentiste,
É um sentimento ocultado.

Hoje percebo o passado,
Não foi maldade ou ruindade,
Foi o medo assustado,
De um futuro sem qualidade.

Guardei o passado,
Aguardo o futuro,
E se é no presente que tens andado,
Então, nele eu me aventuro.

A vida é um grande vai e vem,
Vai mais do que vem,
E por um lado ainda bem,
Porque, afinal, não é essa a graça que ela tem?

De fora para dentro

Conte-se a história contada,
Por palavras não ditas,
Monte-se a cabala montada,
Por terroristas.

Feche-se a casa fechada,
Por pessoas de fora,
Mantenha-se essa fachada,
De quem cá não mora.

Cale-se o amor,
Grite-se a ânsia,
Faça-se tudo por favor,
Faça-se jus à ganância.

Cheire-se o azedo,
De uma tristeza profunda,
Louve-se o medo,
Que nesse corpo abunda.

Amargurem-se os amargos de uma vida,
Liberte-se a solidão,
Não se deixe ficar a dúvida,
Da essência da podridão.

Ame-se a verdade,
Ocultem-se as mentiras,
Dessa dura realidade,
Onde todos os dias te crias.

Desprezo pela Normalidade Anormal

     Reúnem-se, no adro da igreja, sete dias depois de o morto ter chorado, pela última vez, por todas aquelas pessoas que, com melhor sorte, cá ficaram para o ver partir.
     Há quem dê, pela primeira vez, as condolências à família. Outros partilham uma conversa trivial de fim de expediente, como se de um qualquer café da cidade se tratasse. Eu, que os observo de longe, penso que infeliz reunião é aquela que, sem a presença do morto, parece ter um estranho enquadramento de normalidade. Que normalidade é esta que faz com que as pessoas se encaixem quando uma das peças do puzzle se perde?
     Imagine-se só a viúva, que nem está com má cara. Calculo que o morto antes de o ser, já o era. Arrisco-me a dizer que todos nós, antes de o sermos, já o somos.
     Que estranha gente é esta, que vê numa missa de sétimo dia uma boa oportunidade para pôr a conversa em dia? E do morto, alguém se lembrou? Deve ter chorado… Eu tê-lo-ia feito. Eu faço-o! Não pelo morto, que pouco me dizia, mas pela morta que hoje sou e ainda ontem fui.
     Sinto-me invisível por, tal como por ele, ninguém me chorar. Presa num caixão, que contrariamente ao dele não é de madeira, passo dias, que mais parecem dias de eternidade, sem que alguém me sinta a presença. Mexo-me, ele não. Que sorte, esta que tenho! Sou uma morta em movimento…
     Quantas são as vezes que me pergunto como será o meu sétimo dia? Preferia que não se juntassem num adro frio e deserto, que só a época do ano poderá contrariar. Um espectáculo de dança, um recital de poesia ou até um concerto de música seria o lugar perfeito! Não dou certezas, mas talvez assim se lembrassem de mim…
     Será que irá juntar-se muita gente nessa tertúlia de fim de tarde? Espero, sinceramente, que não. Nesse dia serei uma morta paralisada, não os poderei acompanhar nem, sequer, rir com eles. Não ficarão na História por isso… Certamente, não na minha.
     No meio de todas as incertezas, sobre o dia que se irão juntar para que eu os possa chorar, tenho uma certeza: não quero que deixem flores em cima da pedra gélida que me irá cobrir. Peço apenas que me dêem música… “Quando morrer quero que ponham uma caixa de música sobre a minha campa.” – escrevo eu, por toda a parte, na esperança que alguém nesse dia se lembre. No mínimo será original. Nunca vi. E, além disso, terá mais a ver comigo, que sempre pautei a minha vida como sendo uma morta muito única e original, ou assim sempre fiz questão de pensar, abusando da minha falta de cultura sobre os que me rodeiam.
     Olham-me, timidamente, do lado de fora, como se de um ser estranho eu me tratasse, apenas e só, por não ser capaz de fazer parte daquela normalidade bem-intencionada. Sinto nojo. Que mais posso dizer? (…). Não será por mim que se irá alterar a ordem dos seus universos.
     Acaba o ritual. Beijo para cá, cumprimento de mão para lá, cumprimentos em jeito de despedida. Sem uma ordem definida, um a um vão-se dirigindo para os seus mundos. Reunir-se-ão no próximo sétimo dia, o dia em que se restabelecerá, mais uma vez, a normalidade anormal.

Mesmo longe, Ficaste perto

Pegadas que separam duas almas,
Olhos que não querem ver
Poemas escritos, ao som do piano.
Costas que se voltam ao desejo,
Lágrimas que escapam por não o ver,
A esperança que não cessa nem por nada,
E que faz corajosos esse homem e essa mulher.
Cruzamentos limitados pela cedência de passagem,
Que faz com que passem
De um outro lado,
Que não a mesma margem.
Gemidos reprimidos pelo tesão da juventude,
Que procura a quantidade de uma curva mais exibicionista,
E, que esquece a qualidade de um plano de vida.
Existirá maior teimosia do que a própria teimosia?
Súplica que chega ao coração
E, lhe implora o esquecimento de um amor,
Que senão impossível,
Inconveniente às suas vestes.
Dois corações separados por duas mentes,
Mentes o passado e a lembrança que te me liga,
Mas, no fundo, eu sei que nunca esqueceste.

Gverreiros de Bracara Avgvsta

       Eles são mais do que onze.
     Juntamente com os seus líderes travam uma guerra em defesa de um reino. É sabido que representam um reino de pouca fama e essa será, com toda a certeza, a maior das suas dificuldades. Vivem num mundo em que ser diferente e representar uma minoria não é considerado boa aposta.
     Observados pelos chefes e aldeões do reino, buscam em cada batalha o triunfo que os poderá levar á glória. Juntos, e dentro do campo de batalha, são como que uma mistura de raça, talento e ambição. Há até quem lhes chame Gverreiros. Garanto eu que têm tudo para o ser.
     Pode até ser que, individualmente, não sejam melhores que os seus oponentes directos mas juntos serão, com toda a certeza, capazes de fazer com que qualquer outro batalhão trema só de pensar na batalha que se avizinha. Basta que pensem que por detrás do triunfo do grupo, está o crescimento e valorização individual. Ninguém cresce sozinho.
     A eles, junta-se uma legião que aposta neles como ninguém. Acreditam, verdadeiramente, que este poderá ser o grupo que irá marcar a diferença, o grupo que irá marcar para sempre a História do seu reino e de todo o conjunto de reinos vizinhos.
     Não lhes é exigido que ganhem todas as batalhas ou até mesmo a guerra. Apenas lhes é pedido que entrem em cada batalha com uma força, garra e ambição desmedidas e que,  no fim, saiam de cabeça bem levantada e com o sentimento de dever cumprido.
     Tenho para mim que, caso lhes fosse possível ganhar a guerra, de certo lhes ergueriam uma estátua num local bem visível da aldeia, para que todos os forasteiros, recém chegados, pudessem ver quem tinham sido aqueles que levaram o bom nome do reino a um nível superior.
     Imagine-se, então, a quantidade de convites que iriam surgir para que estes Gverreiros fossem mostrar, além fronteiras, todas as capacidades e aprendizagens, adquiridas e inerentes a cada um. Seria de loucos, digo eu.
     Até ao momento, muito se fez para que o rumo da História mudasse e muito, ou quase tudo, lhes é devido. E, por isso mesmo, deixo um especial agradecimento a ele, e a ele, e a ele, e …
      Concluo dizendo que muito caminho ainda há a percorrer para que este monte de “ses” se venha a tornar numa verdadeira, esmagadora e definitiva, parte da História. E que, para que isso aconteça, tem que haver um compromisso do todo que existe em cada um de nós para que no fim, e juntado as partes, representemos a enorme e resistente força do “querer é poder”.

O Coração da Maria



Maria era uma menina com cabelos castanhos, como o chocolate, e olhos cor de amêndoa. Havia quem dissesse que Maria era uma das meninas mais bonitas do bairro.
Dentro de uma bolsinha de veludo, Maria levava, para toda a parte, o seu coração. O coração da Maria era, sem dúvida, um coração especial e, por isso, despertava a cobiça de todos os meninos: todos queriam tocar no coração da Maria.
Certo dia, aliás, como de todas as vezes, Maria levou o seu coração para a escola e, durante o recreio, um dos meninos pediu-lhe para que lho emprestasse, só por um bocadinho. Maria, que não era uma menina invejosa, com um sorriso, entregou-lhe o seu coração. O menino passou uns largos minutos, que mais pareciam anos, a brincar com aquele coração vermelho e carnudo. Mas, quando tocou a campainha, com toda aquela agitação e aquele corre-corre para voltar para a sala de aula, o menino deixou cair o coração e partiu-o em mil pedacinhos. Pobre Maria – ficou desolada quando soube. Triste, juntou todas as partes do seu coração e voltou a coloca-lo na bolsinha.
Quando chegou a casa, depois de um dia cansativo de escola, Maria pensava em como poderia voltar a ter o seu coração inteiro outra vez. Lembrou-se, então, que a mãe tinha o poder mágico de conseguir colar tudo o que lá em casa se partia – todas as mães são fadas e é por isso que conseguem fazer as mais maravilhosas magias. Correu, escada acima, e pediu à mãe que lhe colasse o coração. Assim, com muito cuidado, pedacinho por pedacinho, a mãe de Maria foi colando o coração da sua querida filha – não digam nada a ninguém mas, eu acho que, ficou ainda mais perfeito do que era no início (devia ser da cola: aquela cola tinha uma quantidade extra de carinho).
     Depois de ter o seu coração bem coladinho, Maria, com medo que alguém voltasse a quebrar o seu coração, voltou a metê-lo na bolsinha de veludo e escondeu-o muito bem escondido.
     - Pronto, assim já não haverá perigo. O meu coração estará guardado e mais ninguém vai poder parti-lo. – pensou Maria.
     Passaram-se meses, em que Maria ia para toda a parte sem o seu coração e, onde quer que fosse, já ninguém a olhava da mesma maneira. Porque seria que os meninos já não a chamavam para brincar? Quando chegava a casa, a mãe já não a recebia com o mesmo sorriso e o pai já lhe não dava os abraços de sempre. E a dona Alice? Aquela senhora que, todos os dias, lhe pedia que fosse passear o seu cão, nunca mais o fez.
     Cansada de viver sem que lhe dessem atenção, Maria decidiu que devia voltar a andar com o seu coração. Contudo, porque já haviam passado alguns meses, Maria havia-se esquecido de onde o tinha guardado. Procurou por toda a parte: debaixo das camas, em cima dos armários, dentro das gavetas, (…): nada. Onde teria ela guardado o coração? Perguntou à mãe, ao pai, ao mano e até ao avô, (…): nada. Ninguém sabia do coração da Maria.
     Nos dias que se seguiram à sua incessante procura, Maria andava triste. A sua pele tinha um tom pálido e os seus olhos pareciam-se com duas bolas de golf, de tão inchados que estavam. Maria tinha perdido o seu coração e, com ele, tinha também perdido toda a alegria: não havia nada que a fizesse largar o mais pequeno sorriso.
Vendo Maria tão triste, a mãe perguntou:
     - O que se passa, Maria? Porque andas tão triste?
     - Perdi o meu coração. – disse Maria.
     - Como o perdeste?
     - Guardei-o para que ninguém o pudesse partir e agora não sei onde o pus. – explicou  Maria.
     Foi, então, nesse momento, que a mãe percebeu que era a altura certa de explicar, à Maria, algumas coisas sobre o coração que lhe havia dado no dia em que ela nasceu.
     - Sabes, Maria, se te dei o coração foi para que o usasses em todas as situações da tua vida.
     - Mas partiram-mo na escola. E eu pensei que fosse melhor guarda-lo porque, assim, ninguém o voltaria a partir. – interrompeu Maria.
     - Se te dei o coração foi para que o usasses sem medo. Se o guardares, não poderás mais brincar com ele. E, sendo assim, que serventia pode ele ter se estiver guardado?
     Fez-se silêncio. Maria pensava no que a mãe havia acabado de lhe dizer e, por mais que quisesse negar, a mãe tinha razão. De nada servia ter um coração guardado. Finalmente, e quebrando aquele silêncio, a mãe concluiu, dizendo-lhe:
     - Leva o teu coração para todo o lado e deixa que ele faça parte de tudo o que fazes na tua vida. Só assim poderás dizer que te foi útil o coração que te dei. E não tenhas medo. Se o quebrarem, mais algumas vezes, não há problema: estarei sempre aqui para o colar, vezes e vezes sem conta.
     Foi assim que, com a ajuda da mãe, Maria voltou a procurar, por toda a parte, o seu tão estimado coração. Estava onde ela menos esperava. O coração da Maria estivera sempre à vista, só ela não o via. Junto dos seus mais preciosos bens, Maria encontrou-o, finalmente.
      A partir desse dia, Maria jurou à mãe que iria dar-lhe o maior uso possível. Usá-lo-ia com toda a confiança porque, caso ele se voltasse a partir, ela sabia que a mãe estaria sempre por perto para a ajudar colá-lo.

Elogio ao teu novo amor


Hoje vi-te de longe e sorri. Sorri porque estás ainda mais bonito do que quando te deixei. Ela faz-te bem – aposto que te faz tão bem como eu te fazia. O amor tem destas coisas; deixa-nos tão leves, que o peso de qualquer réstia de feiura desvanece-se com a brisa que nos corre na face.
Fazem coisas maravilhosas, suponho – também nós o fizemos. O amor tem destas coisas; mudam-se os lugares mas, no fundo, os rituais serão sempre os mesmos – começam cheios de coragem e virilidade, e acabam com a vontade de que termine o mais breve possível porque já não se aguenta, sequer, olhar nos olhos do outro. É: o amor tem destas coisas.
Vi no teu olhar um brilho que já não via há muito tempo. Ela faz-te bem. Senti, naquele momento, que não houve mais nada que pudesse ter feito para restituir esse brilho que há muito não via. Custou, mas percebi que fui perdendo essa capacidade de te fazer sorrir com os olhos. Não mais o faço: fá-lo-á ela por mim – e, já vejo, fá-lo-á demasiado bem.
Agora, longe do lugar de onde te vi, tento imaginar o que te diria se tivéssemos passado mais perto. Nada. Havia tanto que gostava de te contar mas sei que nada ficou por dizer. Hoje é com ela que partilhas as tuas vivências. Deve fazê-lo bem melhor do que eu. Lembro-me de que sempre ouviste mais do que eu; sempre falaste melhor do que eu. Resta-me, então, ficar imensamente feliz por teres encontrado alguém menos egocêntrico do que eu: alguém com essa maravilhosa capacidade de (te) ouvir.
Hoje, escrevo estas linhas para fazer um elogio ao amor, àquele que vives agora – o que viveste comigo está hoje fechado numa caixa, dentro de um baú, no fundo do mar. Não imaginas o quanto gostava de encontrar um amor igual ao teu: um que me libertasse de todos os demónios – esses que não me largam nem por um segundo. Fizeste por o merecer – talvez eu ainda não o tenha feito – e, por isso mesmo, celebro o teu novo amor, bem como toda essa transformação que vejo em ti – vejo-te sorrir: agrada-me (guarda um para mim, por favor; um dia, dar-me-ás esse sorriso, sei que sim).
Não sei se já te disse mas quero ver-te feliz: sempre. O amor tem destas coisas. E eu? Eu não deixei de te amar – apesar de transformado, o meu amor por ti permanecerá para sempre dentro de mim. Hoje, o meu amor permite-me agradecer a essa mulher que te faz leve, que te faz melhor todos os dias, que te coloca mais perto do teu destino: a felicidade. Este amor que sinto permite-me, hoje, olhar para trás com carinho e ter esperança no futuro – ainda que, apesar de o meu futuro passar pelo teu passado, o meu passado já não mais faça parte do teu futuro.

Sentidos que não sei

Visto de preto por todas as pessoas que já me morreram,
Lágrimas que vos conto como se de um ábaco se tratasse,
Sentidos largados numa caixa fechada,
Que me levam fundo mas que, nem assim, chegam perto do coração.

Rezo os poemas que me canta o espírito das trevas,
Diabólicos segredos que não compartilho nem com ninguém,
Verdades que foram santificadas pelo poder que foi consagrado,
Tão profundo e inconstante como o buraco de uma agulha.

Baloiço, em bicos de pés, sobre terra que não me pertence,
Toco, repetidamente, a música que não quero que oiçam,
Calo-lhes os ouvidos com o respeito que me sobra,
Abafo com toda a raiva com que me deixaram.

Apoiada nos desejos que me desnudam a intimidade,
Perco o sapato do interesse e a bota do mistério,
Percorro descalça a calçada desses labirintos,
Que ora me lembram, ora me esquecem.

Saudade dessas pessoas que lembram de um tempo,
Vazio de nada e cheio de tudo,
Assim é o copo de onde me sugaram toda a essência,
E despiram daquilo que um dia fui.

Visto de preto pela pessoa que me morreu,
Choro pelos sonhos que me foram assassinados,
Por culpas de um não quero para nunca mais,
Aquele tempo que nunca existiu.

Visto De Uma Rua

    Tem tudo para ser a mais bela das ruas. Ladeada por prédios de cores distintas, que se fazem reflectir em sombras pouco definidas e turvas, é uma rua que, e não fosse a presença descontraída de duas pessoas ao fundo, seria demasiado solitária. A roupa estendida às janelas deixa-nos perceber que é habitada por gentes que se escondem para lá das paredes envelhecidas pelo tempo. Um tempo que, sendo teimoso, persistente e até eterno, deixa as suas marcas em cada pormenor daquela rua.
     Esta imagem de um tempo que passou é apenas contraposta pela aparente modernidade dos barcos que a navegam. Alinhados, como se de uma fila de supermercado se tratasse, permanecem imóveis à espera que alguém, num dia próximo, se dê ao cuidado de os presentear com uma ou outra visita às ruas que lhe são paralelas e perpendiculares em algum sentido.
     De uma cor esverdeada e sem movimento, o asfalto desta rua esconde não se sabe bem o quê. É uma visão demasiado opaca para que se possa sequer pensar numa tentativa de adivinhação sobre aquilo que se passa para lá da superfície. Poderá esconder tesouros de grande riqueza ou, poderá, apenas, esconder míseros objectos perdidos ao longo de alguma viagem sem rumo bem definido...dificilmente ficarei a saber.
     A par da cor alaranjada de alguns dos prédios, a cor verde é também ela predominante nesta vista que se mostra perante mim. A água que serve de pavimento, alguns toldos ou o gradeamento de uma varanda mais ou menos exibicionista, uma árvore isolada…
     O sol que espreita envergonhado por entre os telhados faz com que pareça menos triste e sombria. Dá-lhe até uma tranquilidade que, se por um lado se mostra real por outro aparenta ser simulação de um pintor mais inspirado. Na realidade, e olhando em volta, parece que fomos enquadrados num dos mais inquietantes quadros pintado por um qualquer pintor de renome. É uma paisagem que pode ser vista como intimista.
    Tem tudo para ser a mais bela das ruas, não fosse esta mais uma das ruas da cidade mais romântica do mundo, a eterna Veneza.

À procura de um desconhecido

Sexo: Nunca o chegamos a fazer, ou se o fizemos já eu não estava presente.
Data de Nascimento: Não sei bem quando começou, mas quando te vi já a paixão batia forte.
Naturalidade: Num quarto onde só havia uma cama, tudo parecia ter um ar muito natural.
Estado Civil: Estávamos tão ligados que nem Deus seria capaz de nos separar.
Altura: Devia ser verão, ou então alguém havia deixado a lareira acesa.
Peso: Senti-me leve como uma pluma, envolta em teus braços.
Cabelo: Era como se uma nuvem dourada tivesse ofuscado tudo em volta.
Olhos: Nunca os cheguei a ver mas, aposto que, eram os mais belos daquele quarto.
Profissão: Nem que fosses um assassino: já nada podia perturbar aquele nosso momento.
Hobbies: Tocavas-me como uma criança toca no seu primeiro brinquedo. Nunca me tinham tocado dessa forma - tão leve, tão sedutora,tão cuidadosa,tão...
Habilitações: Tinhas vontade e querer em tudo o que podias fazer.
Data de óbito: Quando dei por mim tinha acordado. Já não estavas lá. Agora, pertencias somente ao passado.

Ainda não morreu a minha vontade de te encontrar.
Provavelmente, deves andar por aí perdido à espera que os meus lábios voltem a beijar o teu olhar.

Por amor

Por amor, deixei-te partir;
Por amor, fiquei à espera que voltasses;
Por amor, desiludiste-me;
Por amor, esquecer-te-ei para sempre!
Por amor, sofrerei;
Por amor, não deixarei transparecer;
Por amor, esperarei;
Por amor, refarei a minha vida.
Por amor, candidatar-me-ei à melhor paixão;
Por amor, me apaixonarei;
Por amor, amarei;
Por amor: serei feliz.

(a)Braços de esperança

Dou-te o meu braço,
Dou-te o meu sangue:
Ajudo-te a viver,
Sem nada te pedir em troca.

Dou-te o meu braço,
Dou-te a esperança,
Para que um dia possas sorrir como eu:
Sem o medo do que possa vir amanhã.

Dou-te o meu corpo,
Dou-te a minha crença,
Dou-te a certeza que se não fosse por ti
Jamais faria sentido.

Dou-te o meu tempo,
Dou-te a minha força
De acreditar, que depois de caminhar
Existe sempre um parar.

Dou-te o meu braço,
Dou-te as minhas mãos,
Dou-te o meu corpo,
Dou tudo de mim,
Para que nunca deixes de ter um novo “amanhã”.