Sentidos que não sei

Visto de preto por todas as pessoas que já me morreram,
Lágrimas que vos conto como se de um ábaco se tratasse,
Sentidos largados numa caixa fechada,
Que me levam fundo mas que, nem assim, chegam perto do coração.

Rezo os poemas que me canta o espírito das trevas,
Diabólicos segredos que não compartilho nem com ninguém,
Verdades que foram santificadas pelo poder que foi consagrado,
Tão profundo e inconstante como o buraco de uma agulha.

Baloiço, em bicos de pés, sobre terra que não me pertence,
Toco, repetidamente, a música que não quero que oiçam,
Calo-lhes os ouvidos com o respeito que me sobra,
Abafo com toda a raiva com que me deixaram.

Apoiada nos desejos que me desnudam a intimidade,
Perco o sapato do interesse e a bota do mistério,
Percorro descalça a calçada desses labirintos,
Que ora me lembram, ora me esquecem.

Saudade dessas pessoas que lembram de um tempo,
Vazio de nada e cheio de tudo,
Assim é o copo de onde me sugaram toda a essência,
E despiram daquilo que um dia fui.

Visto de preto pela pessoa que me morreu,
Choro pelos sonhos que me foram assassinados,
Por culpas de um não quero para nunca mais,
Aquele tempo que nunca existiu.