Maria era uma menina com cabelos castanhos,
como o chocolate, e olhos cor de amêndoa. Havia quem dissesse que Maria era uma
das meninas mais bonitas do bairro.
Dentro de uma bolsinha de veludo, Maria
levava, para toda a parte, o seu coração. O coração da Maria era, sem dúvida,
um coração especial e, por isso, despertava a cobiça de todos os meninos: todos
queriam tocar no coração da Maria.
Certo dia, aliás, como de todas as
vezes, Maria levou o seu coração para a escola e, durante o recreio, um dos
meninos pediu-lhe para que lho emprestasse, só por um bocadinho. Maria, que não
era uma menina invejosa, com um sorriso, entregou-lhe o seu coração. O menino
passou uns largos minutos, que mais pareciam anos, a brincar com aquele coração
vermelho e carnudo. Mas, quando tocou a campainha, com toda aquela agitação e
aquele corre-corre para voltar para a sala de aula, o menino deixou cair o
coração e partiu-o em mil pedacinhos. Pobre Maria – ficou desolada quando soube.
Triste, juntou todas as partes do seu coração e voltou a coloca-lo na bolsinha.
Quando chegou a casa, depois de um dia
cansativo de escola, Maria pensava em como poderia voltar a ter o seu coração
inteiro outra vez. Lembrou-se, então, que a mãe tinha o poder mágico de
conseguir colar tudo o que lá em casa se partia – todas as mães são fadas e é
por isso que conseguem fazer as mais maravilhosas magias. Correu, escada acima,
e pediu à mãe que lhe colasse o coração. Assim, com muito cuidado, pedacinho
por pedacinho, a mãe de Maria foi colando o coração da sua querida filha – não
digam nada a ninguém mas, eu acho que, ficou ainda mais perfeito do que era no
início (devia ser da cola: aquela cola tinha uma quantidade extra de carinho).
Depois de ter
o seu coração bem coladinho, Maria, com medo que alguém voltasse a quebrar o
seu coração, voltou a metê-lo na bolsinha de veludo e escondeu-o muito bem
escondido.
- Pronto,
assim já não haverá perigo. O meu coração estará guardado e mais ninguém vai
poder parti-lo. – pensou Maria.
Passaram-se
meses, em que Maria ia para toda a parte sem o seu coração e, onde quer que
fosse, já ninguém a olhava da mesma maneira. Porque seria que os meninos já não
a chamavam para brincar? Quando chegava a casa, a mãe já não a recebia com o
mesmo sorriso e o pai já lhe não dava os abraços de sempre. E a dona Alice?
Aquela senhora que, todos os dias, lhe pedia que fosse passear o seu cão, nunca
mais o fez.
Cansada de
viver sem que lhe dessem atenção, Maria decidiu que devia voltar a andar com o
seu coração. Contudo, porque já haviam passado alguns meses, Maria havia-se
esquecido de onde o tinha guardado. Procurou por toda a parte: debaixo das
camas, em cima dos armários, dentro das gavetas, (…): nada. Onde teria ela guardado
o coração? Perguntou à mãe, ao pai, ao mano e até ao avô, (…): nada. Ninguém
sabia do coração da Maria.
Nos dias que
se seguiram à sua incessante procura, Maria andava triste. A sua pele tinha um
tom pálido e os seus olhos pareciam-se com duas bolas de golf, de tão inchados
que estavam. Maria tinha perdido o seu coração e, com ele, tinha também perdido
toda a alegria: não havia nada que a fizesse largar o mais pequeno sorriso.
Vendo Maria tão triste, a mãe
perguntou:
- O que se
passa, Maria? Porque andas tão triste?
- Perdi o
meu coração. – disse Maria.
- Como o
perdeste?
- Guardei-o
para que ninguém o pudesse partir e agora não sei onde o pus. – explicou
Maria.
Foi, então, nesse
momento, que a mãe percebeu que era a altura certa de explicar, à Maria, algumas
coisas sobre o coração que lhe havia dado no dia em que ela nasceu.
- Sabes,
Maria, se te dei o coração foi para que o usasses em todas as situações da tua
vida.
- Mas
partiram-mo na escola. E eu pensei que fosse melhor guarda-lo porque, assim,
ninguém o voltaria a partir. – interrompeu Maria.
- Se te dei
o coração foi para que o usasses sem medo. Se o guardares, não poderás mais
brincar com ele. E, sendo assim, que serventia pode ele ter se estiver
guardado?
Fez-se silêncio.
Maria pensava no que a mãe havia acabado de lhe dizer e, por mais que quisesse
negar, a mãe tinha razão. De nada servia ter um coração guardado. Finalmente, e
quebrando aquele silêncio, a mãe concluiu, dizendo-lhe:
- Leva o teu
coração para todo o lado e deixa que ele faça parte de tudo o que fazes na tua
vida. Só assim poderás dizer que te foi útil o coração que te dei. E não tenhas
medo. Se o quebrarem, mais algumas vezes, não há problema: estarei sempre aqui
para o colar, vezes e vezes sem conta.
Foi assim
que, com a ajuda da mãe, Maria voltou a procurar, por toda a parte, o seu tão
estimado coração. Estava onde ela menos esperava. O coração da Maria estivera
sempre à vista, só ela não o via. Junto dos seus mais preciosos bens, Maria
encontrou-o, finalmente.
A
partir desse dia, Maria jurou à mãe que iria dar-lhe o maior uso possível. Usá-lo-ia
com toda a confiança porque, caso ele se voltasse a partir, ela sabia que a mãe
estaria sempre por perto para a ajudar colá-lo.