Sabes,
Mãe,
O que é que um dia me ensinaram,
Já depois de teres morrido?
Que o que se sente não se partilha.
Sabes,
Mãe,
Vou guardar os sorrisos,
Tal quanto as lágrimas,
Para mim.
Sabes,
Mãe,
Tinhas o sorriso mais bonito que já alguma vez vi.
Sabes,
Mãe,
Amei-te até ao fim.
Sabes,
Mãe,
Cumpri.
Obrigada, Mãe.
Obrigada, por teres sido a minha Mãe.
Dukkha Into Words
Ao Fim E Ao Cabo: Estamos No Ponto Central
Hitler teve razão, ao dar
razão ao marechal de campo Rommel, ao prevenir que só por invasão marítima se
perde uma guerra. Digamos que, transportando esta ideia para as relações
humanas de hoje em dia, a vertente emocional é a fronteira marítima de qualquer
ser humano. Tal como na guerra, temos sempre a pretensão de achar que
conseguimos controlar, além das nossas, as fronteiras do outro.
Esta relação que se estabelece
entre a racionalidade e o emocional é, no mínimo, intrigante. Só uma aniquila a
outra, sendo que, no fim, até Hitler perdeu a guerra, mesmo julgando-se acima
de tudo e de todos. Foram o ódio e o amor, esses dois que tantas vezes caminham
lado a lado, os carrascos de Hitler, aquele que sonhava (em delírio) com a raça
perfeita, que por amor à sua racionalidade (ou falta dela) ordenou que fossem
mortas milhões de pessoas.
No amor, como na guerra,
usamos a nossa racionalidade para temporizar o próximo ataque (mais ou menos
emocional). Hitler sabia que a melhor defesa era o ataque – e quão bem o fez
valer? –, e que só a precaver o próximo passo do inimigo seria capaz de ganhar
tempo para preparar o futuro daquela guerra e ganhar. Deixar o inimigo
fragilizado e desorientado é sempre uma boa solução para ganhar esse tempo de
que precisava e conquistar aliados, ou assim pensava Hitler. E, de facto, assim
será, se conseguirmos controlar, até ao extremo, aquilo que nos corrói as
vísceras e nos põe fora de combate.
Mas, voltando ao início, as
fronteiras são mais do que muitas, e o que nos faz como somos não só abraços e
beijinhos, murros ou pontapés. Hitler, ao subestimar a inteligência e a coragem
do inimigo, acabou por subestimar, mais ainda, a sua própria (ir)racionalidade.
Pensarmos que o outro é menos capaz de nos analisar e avaliar é uma tolice (a
menos que sejas psiquiatra ou psicólogo e tenhas testado o outro até ao limite –
não, nem assim, porque há faltas de dados e zonas do cérebro que são ainda
desconhecidas).
Anos se passaram, desde que
Hitler foi derrotado, houve ainda uma viragem de milénio, e nada mudou. Continua
a haver guerras, pessoas são mortas, torturadas, escravizadas e mal tratadas;
os líderes mundiais, com a civilidade que um bom fato prossupõe, continuam a
atacar-se, à espera do momento perfeito para que, mais uma vez, o emocional
vença o pouco de racional que este mundo ainda tem, e estoire a terceira guerra
mundial – a mim sempre me ensinaram que, se está quente, começa-se a comer
pelas beiras do prato: as fronteiras foram alargadas.
(Processo de criação: leitura do último parágrafo da pág. 63 – cont. pág. 64 – do livro, de Daniel Silva, “O espião improvável”.)
Quiosque
A
esplanada está cheia. Sento-me numa mesa do lado de dentro. Servem-me, enquanto
levanto a cabeça – a D. Maria está a ver-me escrever – em pausa. Daqui, obviamente,
não consigo ver o quiosque. Oiço o tiritar das garrafas que se tocam em
movimento: hoje é dia de reciclagem. A D. Salete e a D. Maria falam de um padre,
com setenta anos de relação com Deus – acho que estão a ver a necrologia; os
mais velhos adoram saber quem, primeiro que eles, vai para o andar de cima:
sentem como se de mais uma batalha vencida se tratasse.
Finalmente,
abandonam uma das duas mesas da esplanada. Sento-me, acendo o cigarro e observo
o que está à minha volta. Já consigo ver o quiosque: do meu lado direito,
parado, está decorado a capas de revista e sonhos de idosos raspados pelas poucas
moedas que lhes não sobra; de caixilhos verde tropa e tecto branco, parece
ganhar uma tonalidade do espectro do invisível para todos os que, por destino,
se lhe cruzam – não vejo quem lá pára para comprar tabaco ou revista ou jornal
ou qualquer outro produto que lá se encontre à venda.
Paro
para beber. O tabaco dá-me sede: o tabaco dá-me tudo – ainda aguardo o momento
em que me dará a doença que me vai matar ou, pelo menos, assim o programei, faz
hoje uns anos (ora, não façam essa cara de choque evidente: quem fuma programa
a sua morte no dia que se apaixona por este vício de sabor amargo). Fumo um
atrás do outro – gosto de acreditar que é isso que me faz rolar a caneta, o
fumo tóxico do cigarro; por isso, quando morrer, e me lerem o blog, agradeçam
ao tabaco que fumei, digam-lhe o quão importante me foi durante vida: companheiro
de todas as horas, feliz e infeliz em horas trocadas, o melhor vício que uma
pessoa poderia ter enquanto viva.
Ao
fundo, a avenida, perpendicular a todas as ruas com que se cruza, parece estar
com pressa; para cá, e para lá, é para onde se encaminha toda a vida que
contém. Carros pretos, cinzentos e brancos. Carrinhas pretas, cinzentas e
brancas. Não passam motos. As cores verde, amarelo e vermelho são
predominantes, ainda que apareçam, apenas, de quando em vez, na alternância do
pára/arranca dos que ao circular se vêem obrigados a parar. Assim é a lei dos
que, sem se aperceberem, sobrevivem a este ritmo. Param porque os obrigam e
arrancam na esperança de uma liberdade de escolha desde logo contaminada.
Já
pararam para pensar em quantas vidas passam nesta avenida? Felizes os que
acreditam que não se encaminham para o mesmo destino. Cruzam-se sem sequer se
darem conta da distância de proximidade que os separa, sem mesmo perceberem que
o choque será inevitável.
Sem
pressa aparente estão os velhos, que se sentam nos bancos desta rua. Os sacos
de compras largados no chão fazem-me pensar no peso que carregam – não deve ser
fácil carregar tão grande volume de bens (ou males, eles lá saberão). Duas
longas histórias de vida sentadas num mesmo banco, sem nada o que dizer – não se
querem ouvir, não se querem tocar (fosse o banco maior e estariam a anos luz de
distância).
Engraçado
é percebermos a diferença de velocidades das idades que por aqui passam – ainda
que indo todas à mesma velocidade cruzeiro, da qual Deus é o capitão da maioria
(se não acreditam é porque nunca se olharam ao espelho, nem apreciaram, um só
dia, os silêncios da natureza, nem nunca tocaram a vida mais pequenina). As mais
pequeninas vidas, as humanas, que por aqui passam, vão arrastadas pelas vidas
apressadas dos que têm pressa de não parar; parar é morrer para a vida que nos corre
por fora, e se queremos ser como os outros: não paremos; não paremos se queremos
ser o que nem imaginamos não ser. E se pararmos, que seja nos semáforos, com um
pé na embraiagem e outro no acelerador. Parar por obrigação – eles não querem
que pensemos que temos outra opção. Caso contrário, não paremos. Não paremos
porque estamos com pressa. Não paremos porque ainda nos resta tanto para fazer.
Não paremos porque ainda temos uns quantos programas de televisão para ver. Não
paremos porque é hora de dormir. Não paremos porque, definitivamente, o dia de
paragem já nos está reservado. O lema é, realmente, esse: não parar.
Já
os velhos pararam. Já os velhos perceberam que de nada vale correr. Já os
velhos perceberam que correr é morrer. E eu? Ora, eu, sempre que tiver tempo,
quero chegar a velha.
Do Que Me Disseste
Olho com estranheza a rebelde lembrança do que me foste,
Um verão, em profunda amargura,
Mergulhado nas profundezas da paixão,
E que me preenche a solidão de carinho.
Esta angústia infinita de te saber
Envolto no calor do sucesso.
Peço à imaginação.
Digo-lhe: basta! – desta incerteza que agora me assalta.
Imploro-lhe pelo cruel e real prazer
De te ouvir, nem que por momentos,
Assassinar esta terrível ilusão.
Amei-te. Ponto final.
Instrumento
Em estreia:
A singularidade do
som – vício antigo,
como um abraço
pacifista,
em cumplicidade
partilhada: que atmosfera.
O sentimentalismo
da mentalidade estabelecida,
uma impossibilidade
de frigidez moral,
em
complementaridade com passado, o presente e o futuro: que raridade.
A garantia de um
momento que se prolonga,
confusão
(consentida) com o oceano,
para lá de todas
as convenções: que proeza.
Longe da
mediocridade,
essa doença de
quem é desprovido do sonho,
Estaremos sempre
perto: que brutalidade.
A (In)Certeza
Jorge e Inês
iriam partir de viagem dentro de poucos dias – as malas, no canto mais afastado
da porta do quarto (como se ali fossem invisíveis aos demais que lá pudessem
entrar), estavam a ser cuidadosamente preparavas há mais de dois meses –, iam
em busca de um destino que lhes pudesse dar o sustento que o seu país (cheio de
história, boas gentes e bons costumes) não fora capaz de lhes dar: submersos em
precariedade, iam à descoberta dos seus futuros. A arte de fazer malas nunca a
tinham aprendido antes; bom, não naquela dimensão – tenho a certeza de que me
estou a esquecer de alguma coisa; calma, não vamos para o outro lado do mundo.
O que lhes ia acalmando a crescente tempestade de emoções que iam sentindo,
particularmente nestes últimos dias, era a certeza de que poderiam sempre
regressar às origens, no mínimo, um par de vezes por ano.
O dia da viagem tinha finalmente chegado. À saída da porta de casa, já com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto, a mãe de Jorge dava-lhe todos os conselhos de boa mãe: cuida de ti, meu filho; trata bem da Inês; não te esqueças de avisar quando chegares; oh, meu filho; (…). E assim o ia repetindo, compulsivamente, até à chegada ao aeroporto.
O dia da viagem tinha finalmente chegado. À saída da porta de casa, já com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto, a mãe de Jorge dava-lhe todos os conselhos de boa mãe: cuida de ti, meu filho; trata bem da Inês; não te esqueças de avisar quando chegares; oh, meu filho; (…). E assim o ia repetindo, compulsivamente, até à chegada ao aeroporto.
Inês e a sua
família já haviam chegado e esperavam-nos em frente ao balcão da companhia
aérea, prontos para que o casal fizesse o check-in. Chegando mais perto, Jorge
deu-lhe um beijo, enquanto lhe segurava a mão com firmeza: ia correr tudo bem.
Os rostos dos pais daqueles jovens transpareciam um misto de alívio, tristeza e
ódio – alívio na esperança, tristeza na saudade que já sentiam, e ódio de um
planeamento de futuro passado que, na prática, havia saído do seu controle (não
era isto que tinham sonhado para os seus filhos). O mar de lágrimas, grossas pingas de chuva
visceral, ia-se intensificando à medida que os minutos iam passando. Parecia
que aquele seria o último dia das suas vidas; não, não parecia: era mesmo o fim
de duas vidas vividas naquele lugar, um fim com data de início marcada para o
renascimento de outras duas.
Já sentados dentro do avião, Inês olhava pela janela – mesmo quando faziam viagens de curta duração, Jorge fazia sempre a gentileza de lhe ceder o lugar mais perto da janela: sabia que o seu imaginário voava à mesma velocidade e à mesma altitude com que o avião percorria o seu caminho –, e indagava-se sobre o que seria isso da felicidade. Subitamente, perguntou-lhe: Jorge, achas que estamos a fazer a coisa certa? Silêncio. Ele também não sabia se aquela seria a decisão mais acertada. Fechou os olhos. Reviveu todos os momentos daquela despedida. O calor ambiente do avião contrastava com o frio na barriga que sentia. Recordou ainda o último verão, que haviam passado numa praia do norte, e pensava no quão mais fácil seria se aquela fosse apenas só mais uma viagem de verão – as viagens de verão têm a liberdade que as pessoas lhe permitem dar (ora, na pior das hipóteses, o maior dos desastres será o de ter que reestruturar todos aqueles dias, tornando-os em dias de férias citadinas, porque serão de chuva e não se está bem na praia). Sim, seria bem mais fácil – pensou. Voltando a abrir os olhos, Inês olhava-o impaciente. Tranquilamente, com um sorriso na cara, anuiu com a cabeça.
Não, não sabia se aquela seria a escolha certa. Não podia prever o futuro. A ideia, bem viva na sua cabeça, era a de que iam em busca de algo diferente – pior ou melhor, não sabia. A única vitória que tinha assegurado até então era a de que iria viajar com o amor da sua vida. Amor da sua vida? Pois, não sabia.
Já sentados dentro do avião, Inês olhava pela janela – mesmo quando faziam viagens de curta duração, Jorge fazia sempre a gentileza de lhe ceder o lugar mais perto da janela: sabia que o seu imaginário voava à mesma velocidade e à mesma altitude com que o avião percorria o seu caminho –, e indagava-se sobre o que seria isso da felicidade. Subitamente, perguntou-lhe: Jorge, achas que estamos a fazer a coisa certa? Silêncio. Ele também não sabia se aquela seria a decisão mais acertada. Fechou os olhos. Reviveu todos os momentos daquela despedida. O calor ambiente do avião contrastava com o frio na barriga que sentia. Recordou ainda o último verão, que haviam passado numa praia do norte, e pensava no quão mais fácil seria se aquela fosse apenas só mais uma viagem de verão – as viagens de verão têm a liberdade que as pessoas lhe permitem dar (ora, na pior das hipóteses, o maior dos desastres será o de ter que reestruturar todos aqueles dias, tornando-os em dias de férias citadinas, porque serão de chuva e não se está bem na praia). Sim, seria bem mais fácil – pensou. Voltando a abrir os olhos, Inês olhava-o impaciente. Tranquilamente, com um sorriso na cara, anuiu com a cabeça.
Não, não sabia se aquela seria a escolha certa. Não podia prever o futuro. A ideia, bem viva na sua cabeça, era a de que iam em busca de algo diferente – pior ou melhor, não sabia. A única vitória que tinha assegurado até então era a de que iria viajar com o amor da sua vida. Amor da sua vida? Pois, não sabia.
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