À
Guida,
Com todo o meu
reconhecimento.
Desci
as escadas escuras. Não, não me lembro de as ter descido. Sei que as percorri porque
me vi ali sentada. Não longe, sei que há crianças: oiço-as. Uma aproxima-se de mansinho
e senta-se no meu colo. Outra, desafia-me. Foram as únicas crianças que
consegui ver. Imadiatamente abaixo, do meu lado direito, abre-se uma porta e as
crianças voltam para a sala. A porta volta a fechar-se.
Na
escuridão, a única luz que vislumbro vem do andar de baixo. Devagar, vou
descendo até ao fundo das escadas. Paro. Do meu lado direito, existe uma sala.
A porta está fechada. Do lado esquerdo, em frente, tem um salão iluminado pelo
sol; e, do lado direito, de quem se dirige ao salão, tem outra sala – a porta
está aberta e a luz acesa. Instintivamente, e com alguma cautela, caminho
lentamente até ao salão, não sem antes espreitar pela porta aberta da sala que
está com a luz acesa. À medida que me aproximo do salão, o som das gargalhadas
das crianças vai-se tornando cada vez mais audível: também há crianças no
salão. Encosto-me à entrada, sem que me vejam, e observo-as. Atravesso aquele
espaço com o olhar, encontro-te. Estás a falar com outra mulher. O meu coração
começa a acelerar. És tu. Depois de tantos anos: és tu.
(Lembro-me,
como se fosse hoje, dos momentos que passamos juntas. O mimo, o colo, os
abraços e os beijinhos que me davas. Ainda te lembras da minha brincadeira
preferida? Eu ainda me lembro do sorriso que largavas sempre que me encorajavas
a brincar. Dá para acreditar que já passaram tantos anos?)
Sinto
um certo saudosismo, apetece-me ir falar contigo mas sei que não me vai
reconhecer. É melhor ir-me embora enquanto há tempo: não quero que me digas que
não te recordas de mim – não tu.
Já no
final do corredor, mesmo antes de começar a subir as escadas, (curiosa como
sou) aproximo-me da porta que está fechada. É uma porta, pequena e desenhada em
madeira, digna de um conto de fadas. Do lado esquerdo da porta, à altura do
ombro, tem uma placa, também ela trabalhada em madeira, onde inscrito posso ler
o meu nome: Cátia. Não consigo conter a emoção e começo a chorar, enquanto, com
a cabeça baixa, penso repetidamente: guardaste uma sala para mim. Mais calma,
momentos depois, volto a olhar para a placa mas as letras desapareceram como
por magia. Para me certificar de que a sala teria sido mesmo guardada para mim,
abro a porta e entro. Olho em volta e vejo-me pequenina outra vez. Está tudo
nos mesmos lugares. As minhas coisas estão ali. Aquela sala foi pensada para
mim, e foste tu que a guardaste. Enquanto ando pela sala, mesmo sem querer,
acabo por fazer barulho. Tu, do outro lado do corredor, dás-te conta de que
alguém lá entrou e aproximas-te. Dou-me conta de que vens ao meu encontro. Não
quero que te zangues comigo. Não entras. Ficas parada a uma pequena distância
da porta, enquanto espreitas para dentro da sala. Sem outra alternativa, saio.
Tu vês-me. Vejo-te no coração que me reconheces de imediato. Com as lágrimas
que me escorrem pela cara, corro em direção ao teu abraço. Abraças-me como
antes, como sempre.
Acordei. Feliz. Reencontrei a minha mãe do coração:
reencontrei a minha educadora.