Visto De Uma Rua

    Tem tudo para ser a mais bela das ruas. Ladeada por prédios de cores distintas, que se fazem reflectir em sombras pouco definidas e turvas, é uma rua que, e não fosse a presença descontraída de duas pessoas ao fundo, seria demasiado solitária. A roupa estendida às janelas deixa-nos perceber que é habitada por gentes que se escondem para lá das paredes envelhecidas pelo tempo. Um tempo que, sendo teimoso, persistente e até eterno, deixa as suas marcas em cada pormenor daquela rua.
     Esta imagem de um tempo que passou é apenas contraposta pela aparente modernidade dos barcos que a navegam. Alinhados, como se de uma fila de supermercado se tratasse, permanecem imóveis à espera que alguém, num dia próximo, se dê ao cuidado de os presentear com uma ou outra visita às ruas que lhe são paralelas e perpendiculares em algum sentido.
     De uma cor esverdeada e sem movimento, o asfalto desta rua esconde não se sabe bem o quê. É uma visão demasiado opaca para que se possa sequer pensar numa tentativa de adivinhação sobre aquilo que se passa para lá da superfície. Poderá esconder tesouros de grande riqueza ou, poderá, apenas, esconder míseros objectos perdidos ao longo de alguma viagem sem rumo bem definido...dificilmente ficarei a saber.
     A par da cor alaranjada de alguns dos prédios, a cor verde é também ela predominante nesta vista que se mostra perante mim. A água que serve de pavimento, alguns toldos ou o gradeamento de uma varanda mais ou menos exibicionista, uma árvore isolada…
     O sol que espreita envergonhado por entre os telhados faz com que pareça menos triste e sombria. Dá-lhe até uma tranquilidade que, se por um lado se mostra real por outro aparenta ser simulação de um pintor mais inspirado. Na realidade, e olhando em volta, parece que fomos enquadrados num dos mais inquietantes quadros pintado por um qualquer pintor de renome. É uma paisagem que pode ser vista como intimista.
    Tem tudo para ser a mais bela das ruas, não fosse esta mais uma das ruas da cidade mais romântica do mundo, a eterna Veneza.