Em Ti

Foi no sonho: senti-me crescer como nunca antes. Talvez por ser o sonho o que de mais poderoso temos, dentro e fora. Talvez por ser o sonho, mais do que os sonhos, o que nos faz rodopiar nesta calçada – mundanamente imunda – que é a vida.
Hoje, foi encantado – por ti –, e senti-o: abracei-o. A magia por algumas horas de sono: converter-me-ia, a esta religião, sem ter que pensar mais do que uma só vez. E elevaria a alma, até ao topo da escada, para mais perto do centro do sol.
Foi na ilusão que te reencontrei, e lá moravas tu: mais frágil do que um copo de cristal, perdido no interior de um lagar de uvas, à espera de serem pisadas. Mergulhei, de corpo inteiro, na esperança de te livrar dessa sina, quase inevitável, que é o processo de fermentação.
Por ti, encarnei-te em mim: fiz-me, de ti, raiz. E sugaste-me a pouca água que me restava, enquanto me fixava em ti e te trepava o tronco.  E abracei-te. E beijei-te a face. E.

Foi um par de vezes,
Poucas demais                                                
Para quem suplica por todas.

As vezes que te supliquei,
Poucas demais
Para quem as sentiu aos pares.

Demais orgulho largado,
Demais orgulho aprisionado.

E de que vale o teu orgulho se o aprisionas? Tal como ao pássaro que dizes ser: liberta-o. Passarinho, engaiolado, que voas com medo de bater nas grades: liberta-te, mais que ao teu voo.

Voa para dentro do sonho:
Do meu,
As vezes que quiseres.

A tua gaiola,
O teu céu,
As vezes que quiseres.

O teu sonho,
No meu sonho:
Serei.

Porque é o sonho, mais do que os sonhos, que nos faz rodopiar nessa pista de dança – desumanamente vulgarizada – que é o amor. E é o amor: a porta. E é o sonho: a chave de fendas. E, se não tenho a chave, para sempre: sonharei.